Com a quarentena próxima de ser flexibilizada ou encerrada em algumas cidades e países, turistas de todas as partes do mundo estão se perguntando: o que vai mudar na rotina das viagens? Quando será seguro viajar? Ou como viajar com segurança no contexto atual, com o vírus ainda circulando e sem uma vacina disponível? Essa fase, entre a flexibilização do confinamento e o fim da pandemia, está sendo chamada de o “novo normal”, em que empresas e pessoas terão que se adaptar a uma rotina de distanciamento social e preocupação adicional com a saúde.
Companhias aéreas, aeroportos, hotéis, restaurantes e empresas de entretenimento, cruzeiros marítimos e de eventos estão se preparando e adaptando rapidamente seus negócios para essa nova realidade. Nesse post você confere o que pode mudar na rotina dos viajantes a partir de agora, com base em testes e novas práticas que já são aplicadas no Brasil e/ou em outros países.
Check-in, embarque e desembarque
São momentos em que os passageiros costumam se amontoar uns sobre os outros. Em boa parte dos aeroportos, sequer há espaço para filas com um distanciamento mínimo entre as pessoas. Já no embarque e no desembarque é uma questão mais cultural, quando a ansiedade para entrar e sair do avião parece tomar a cabeça dos viajantes. Enquanto não houver vacina e o coronavírus circular por aí, isso vai precisar ser repensado.
Várias companhias aéreas estão estudando a implantação de barreiras de proteção para os funcionários do check-in, junto com o fornecimento de equipamentos de proteção individual, como luvas e máscaras. Já os aeroportos avaliam como podem organizar melhor o fluxo de passageiros nas áreas onde há risco de aglomeração.Check-in EmiratesFila no aeroporto de Dubai
Nos aeroportos de Dubai e de Amsterdã, por exemplo, foi implementada uma nova comunicação visual sobre o distanciamento social no check-in e nos portões de embarque. Processos de embarque personalizados também foram configurados, em grupos reduzidos. Na Holanda, os passageiros só pode pagar por vários serviços com cartão de débito ou crédito. No aeroporto de Hong Kong foram colocados robôs desinfectando áreas públicas e banheiros.
Robô para ajudar a desinfeção no aeroporto de Hong Kong
No Brasil, em alguns aeroportos, os totens de autoatendimento foram desativados. Mas poucos contam com sinalização visual do distanciamento social, já que praticamente 95% dos voos nacionais permanecem cancelados. Provavelmente teremos que nos adaptar até a retomada dos voos.
Será que com essas mudanças teremos que chegar 5 horas antes dos voos nos aeroportos?
Treinamento e uniforme dos comissários
Na KLM, a tripulação passou a usar touca e luvas protetoras. Há equipamento extra a bordo, como desinfetantes e higienizadores para as mãos. A cada voo, um banheiro é mantido livre exclusivamente para a tripulação, para que tenham um lugar para se higienizar e lavar as mãos. A Latam disponibilizou máscaras para a tripulação. Na Emirates, os uniformes ganharam máscaras e visores de proteção, além de um macacão impermeável.
Novos itens de proteção dos comissários da Emirates
Além disso, a maior parte das empresas aéreas está monitorando de perto a saúde de seus funcionários, que são tirados das escalas se apresentam qualquer sintoma de COVID-19 ou de gripe. Toda essa preocupação faz sentido, já que um comissário com o vírus poderia contaminar seus companheiros de tripulação e dezenas de passageiros em apenas uma viagem.
Limpeza e desinfecção dos aviões
Os aviões possuem um sistema de recirculação que renova o ar do avião a cada 3 minutos, graças aos filtros HEPA (High Efficiency Particulate Air), que removem 99,97% das partículas. No entanto, as superfícies em contato com os passageiros, como mesas de refeição e compartimento de bagagens podem ser vetores de contaminação. Por isso, muitas empresas redefiniram procedimentos de limpeza regulares em toda a cabine. Na Latam isso inclui a limpeza geral em toda a cabine, incluindo caixas, assentos, mesas, banheiros e cozinha. A empresa também está fornecendo álcool gel em todos os seus voos, para passageiros e tripulantes.
Na Azul, durante o processo de limpeza das aeronaves entre os voos, é aplicado um desinfetante aprovado pela Anvisa em todos os locais com que os clientes possam ter contato, como cintos de segurança, mesas, apoios de braços, persianas e bagageiros da cabine. Já a Delta Airlines implementou uma técnica de nebulização com um desinfetante altamente eficaz, semelhante ao usado nos hospitais, portanto seguro para respirar imediatamente após o uso (veja um vídeo mostrando como funciona o Delta Clean – em inglês). A partir de maio todas as aeronaves da empresa serão nebulizadas antes de cada voo (hoje o procedimento já é feito diariamente).
Nebulização nos aviões da Delta Airlines
No entanto, implantar uma nova rotina de desinfecção das aeronaves a cada etapa de voo (toda vez que o avião pousa ou decola) demanda um tempo maior em solo, o que pode inviabilizar milhares de rotas cuja programação conta com paradas rápidas em alguns aeroportos.
Mudanças no serviço de bordo
Muitas companhias aéreas suspenderam temporariamente o serviço de bordo em voos de curta duração, por razões de segurança. É o caso da GOL, no Brasil, mas também de várias empresas nos Estados Unidos, Europa e Ásia. Outras empresas modificaram as embalagens para reduzir o risco de contágio durante as refeições e minimizar a interação entre comissários e passageiros. É o caso da Emirates, que continua oferecendo alimentos e bebidas, mas em caixas pré-montadas. Além disso, revistas e outros materiais de leitura impressos não estão mais disponíveis.
Restrições a bagagens de mão
Bagagens de mão estão sendo limitadas em alguns voos. Na Emirates e na Air Asia, por exemplo, só estão sendo permitidos na cabine notebook, bolsa, maleta de mão ou itens de bebê. Todos os demais itens precisam ser despachados. No Brasil, ainda não há nenhuma restrição nesse sentido.
Fechamento temporário de salas VIP
Dezenas de salas VIP de aeroportos nacionais e internacionais foram fechadas ou tiveram seu funcionamento limitado devido à pandemia de coronavírus. Ainda que voltem a receber clientes, certamente os lounges precisarão fazer modificações em seus espaços, no bufê, e adotar novos protocolos de limpeza. Outra medida que pode ser implementada é a limitação temporária da capacidade dessas salas, para evitar aglomerações.
Sala VIP Al Mourjan (Doha)
No aeroporto de Doha, a Qatar Airways fechou temporariamente 4 lounges devido à redução na demanda, concentrando os clientes na sala VIP Al Mourjan, que tem um espaço bastante amplo.
Na Europa, o órgão regulador da aviação está discutindo com políticos e com as companhias aéreas o bloqueio temporário de alguns assentos dos aviões como forma de aumentar o distanciamento entre os passageiros durante uma viagem. A proposta é polêmica e envolve bloquear os assentos do meio das aeronaves, prática adotada temporariamente por empresas como American Airlines, Delta, United e JetBlue, nos Estados Unidos, Easyjet e WizzAir na Europa, além da Qantas, na Austrália, e Air Asia, no continente asiático, numa lista não exaustiva.
Premium Economy da Latam (clientes pagam pelo assento do meio bloqueado)
Mas, fazer isso num momento em que a demanda é muito baixa é mais fácil. O difícil é seguir essa prática por vários meses, quando a demanda começar a se recuperar. O Diretor da low cost Ryanair, Michael O’Leary, chamou a restrição de uma ideia idiota. Disse que se o governo impuser a restrição de bloquear a poltrona do meio deverá ressarcir o prejuízo das companhias aéreas: “Ou eles pagam pelo assento, ou não voamos”. Ele também acrescentou que “o assento do meio não oferece nenhum distanciamento social”. Já a IATA ressaltou que “se o distanciamento social for imposto, as viagens baratas acabarão”. O presidente da Latam, Jerome Cadier, comentou na mesma linha: “Se bloquearem o assento do meio, os voos não se pagam. Adotar um espaçamento custa muito. É reduzir a capacidade de 180 pra 120 assentos”, disse. Por isso, o mais provável é que o setor resista a essa medida.
Controle de temperatura
Aeroportos na Europa, Ásia e Estados Unidos implementaram controle de temperatura corporal para passageiros que chegam de outros países.
Controle de temperatura no Aeroporto de Wuhan (China)
Infelizmente nem todos os procedimentos são eficientes, como os da imagem acima. Nos Estados Unidos a utilização de termômetros infravermelhos de aferição individual levou a filas quilométricas, com milhares de passageiros amontoados nas imigrações de aeroportos, esperando pela medição da temperatura.
Vale destacar que uma pessoa pode estar contaminada com a COVID-19 e transmitir o vírus outras pessoas sem apresentar nenhum sintoma (a febre aparece em apenas parte dos casos), deixando esse controle com uma eficácia duvidosa.
Realização de testes rápidos de detecção de COVID-19
A União Européia permanece com as fronteiras fechadas. Mas uma comissão de saúde da região estuda exigir que os passageiros que cheguem nos países da comunidade façam os testes rápidos para COVID-19, cujo resultado sai em 15 minutos. O procedimento ainda não foi aprovado e nem foi definido se, uma vez imposto, deverá ser feito no país de origem ou na chegada a Europa, nem quem deverá arcar com esse custo.
Os Emirados Árabes Unidos iniciaram a aplicação de testes rápidos para COVID-19 em passageiros de alguns voos da Emirates. A proposta, segundo a autoridade de saúde local, é expandir os testes e avaliar a sua implementação com medida de segurança pré-embarque, proporcionado mais tranquilidade aos passageiros e às tripulações.
Testes rápidos de COVID-19 em passageiros nos Emirados Árabes
O fato é que ainda não existem testes em quantidade suficiente para universalizar seu uso pela aviação, ou por qualquer outro setor. Isso pode até virar uma realidade daqui a alguns meses, mas vai depender da capacidade de produção e da segurança oferecida por esses tipos de testes.
Cabines de desinfeção
O aeroporto de Hong Kong está testando com funcionários uma nova tecnologia de cabine de desinfeção “cleantech”. A pessoa entra uma cabine com revestimento antimicrobiano que, utilizando de fotocatalisador e spray desinfetante seguro para humanos, pode matar vírus e bactérias em 40 segundos. Segundo a administração do aeroporto, o canal é mantido sob pressão negativa, o que evita a contaminação cruzada entre o ambiente externo e interno. Se os testes forem promissores, a tecnologia deve virar uma realidade para os passageiros.
Cabine de desinfeção no aeroporto de Hong Kong
Quarentena obrigatória
O Governo do Reino Unido analisa uma proposta de exigir que todos que cheguem de outros países fiquem duas semanas de quarentena, como condição para evitar um novo aumento no número de casos, após a retomada dos voos. As autoridades poderiam determinar que os viajantes preenchessem um cartão de aterrissagem com informações sobre sua saúde e o endereço onde eles se isolariam, para facilitar o controle. Poucos países, como a Índia, adotaram medida similar, que tem grande impacto sobre os turistas e, na prática, acaba inviabilizando esse tipo de viagem. Tomara que não vingue!
Algumas companhias aéreas, como a Alitalia e a Air Asia, estão exigindo que os passageiros utilizem máscaras durante os voos. O mesmo ocorre em alguns aeroportos internacionais. De fato, o uso correto de máscaras a bordo e em áreas públicas ajuda a reduzir o risco de contaminação, segundo as autoridades de saúde. Mas precisa ficar claro se o acessório será oferecido pelas empresas ou se terão que ser adquiridos pelos passageiros.
Uso de máscaras do aeroporto de Shangai. Crédito: Bloomberg
Máscaras de proteção também poderão ser exigidas em atrações turísticas. Será que esse passará a ser um item obrigatório na bagagem para qualquer viagem? É o que parece, pelo menos pelos próximos meses.
A AccorHotels foi um dos primeiros grupos de hotelaria a adotar novas práticas de limpezas em sua rede. Propôs lançar um selo de qualidade de higienização, em parceria com uma empresa de certificação. Se aprovado pelas autoridades, o procedimento será expandido para outros países e grupos.
Já a rede Marriott criou um conselho de limpeza global (Marriott Global Cleanliness Council), com regras que determinam o uso de desinfetante hospitalar para limpeza de superfícies, sinalização nas recepções quanto ao distanciamento social, entre outras medidas.
Novos procedimentos para desinfeção de quartos na rede Marriot
Portugal e Espanha também criaram selos que asseguram os requisitos de higiene e limpeza no contexto atual, de forma a passar segurança para turistas.
O café da manhã é outro serviço que pode sofrer mudanças, saindo do tradicional sistema de bufê livre para menus fixos ou porções individualizadas. O que será que vem por aí?
Sem dúvida, os hotéis vão precisar investir em limpeza e segurança para deixar seus hóspedes mais tranquilos. Da mesma forma, algumas responsabilidades também caberão aos clientes, para manter o ambiente seguro durante a estadia. A disponibilização de itens de higiene para uso dos clientes parece bem útil.
Se o mundo está mais difícil para companhias aéreas e aeroportos, imagina para as empresas de cruzeiros marítimos, parques temáticos, cinemas, casas de espetáculo e atrações turísticas que envolvem a concentração de muitas pessoas em determinados ambientes… Os especialistas são unânimes em dizer que esses devem ser os últimos setores a se recuperar da pandemia e aqueles que mais vão sofrer para se adaptar à nova realidade. É um desafio enorme.
Parque da Disney fechado. Crédito imagem: Los Angeles Times / AFP
Nos Estados Unidos, analistas estimaram que os parques temáticos da Disney podem permanecer fechados pelo menos até janeiro de 2021. Já a Universal Studios encomendou entrevistas com clientes para estudar a disposição deles para frequentarem os parques com ocupação reduzida e adaptações no funcionamento de brinquedos e dos restaurantes… Tudo isso na esperança de reabrir ainda em 2020. Ainda não há uma data certa para a reabertura, mas a certeza é que, sem uma vacina, esses locais não serão mais os mesmos por um bom tempo.
Já as empresas de cruzeiro marítimo continuam impedidas de navegar nos Estados Unidos e em alguns países da Europa até julho, prazo que ainda pode ser ampliado. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) norte-americano comunicou que a volta das viagens de navios só poderá acontecer se houver o fim do estado de emergência sanitária, uma decisão em contrário do CDC ou se passarem 100 dias depois da data de publicação da nova ordem (9 de abril). Até lá os navios deverão ficar nos portos ou ancorados.
Já os restaurantes, nos lugares onde a quarentena está sendo flexibilizada, estão funcionando com uma restrição de ocupação de no máximo 50% das mesas. Os que operavam no sistema de bufê estão tendo que se adaptar com menus improvisados. Esse parece ser o cenário mais provável nos próximos meses.
Por fim, ainda não está claro quando e como vão voltar a funcionar com segurança atrações como shows, espetáculos, museus e o monumentos com grande concentração de pessoas… se não aparecer uma vacina ou tratamento eficaz para o coronavírus nos próximos meses, esses negócios vão precisar se reinventar para sobreviver.
Até que ponto essas novidades vão afastar ou atrair os clientes? Ainda não sabemos! Mas essas questões terão grande influência na decisão das pessoas sobre quando voltar a viajar.